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CRIANÇAS E A PANDEMIA

  • Foto do escritor: Angelo Salignac
    Angelo Salignac
  • 19 de mai. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 22 de ago. de 2021



Uma reportagem (GONTIJO, 2021) destaca o desenho de um menino de 9 anos: “Meu Aniversário Em Julho”; uma dolorosa (mas também poética) representação da solidão que maltrata tantas crianças e que partiu meu coração. Não tive como deixar de estudar esse assunto e abordá-lo aqui.


Desde março de 2020 a escalada da pandemia da Covid-19 obrigou a adoção de medidas sanitárias e sociais em caráter de urgência, visando conter a propagação da doença. Uma dessas medidas é a quarentena, que envolve a restrição da circulação de pessoas e é implementada por meio do isolamento de indivíduos positivos da Covid-19 ou indivíduos que estiveram em contato (ou possível contato) com alguém que resultou ser positivo, para reduzir o risco de novos infecções e para prevenir a transmissão viral.

Já o isolamento social é a separação dos indivíduos do convívio cotidiano, também visando a segurança biológica da comunidade. Representa uma interrupção repentina da vida diária normal, pois interrompe bruscamente relacionamentos e hábitos, resultando em desorientação e confusão. Essa não é uma situação absolutamente nova, pois, ao longo da história, quarentenas foram iniciadas em resposta a epidemias e desastres. O que se aprendeu sobre as consequências desta medida tão drástica em relação à saúde psicológica dos envolvidos?


Estudos registram uma prevalência de sintomas de estresse pós-traumático após um curto período de isolamento.; além disso, as medidas necessárias resultam em sofrimento psicológico associado a hábitos culturais e podem desencadear uma ampla variedade de problemas, tais como transtorno do pânico, ansiedade e depressão. As epidemias - e as providencias adotadas para contê-las - podem resultar em experiências psicologicamente estressantes.


Se o isolamento é uma experiência estressante para os adultos, é fácil imaginar como pode ser difícil também para as crianças, que precisam adaptar suas rotinas diárias a uma situação incerta, caracterizada por regras novas e restritivas, como deixar de ir à escola e afastar-se dos colegas. Isso resulta na obrigação de enfrentar novos medos, com muitas perguntas sem resposta. A situação pode ser ainda mais grave para os filhos dos trabalhadores de saúde, que têm contato direto com a doença e constituem a população mais exposta e afetada pela Covid-19 (DEMARIA e VICARI, 2021).


As necessidades especiais dos pequenos durante epidemias e desastres muitas vezes não são reconhecidas pelos adultos: que tipo de experiência o isolamento pode representar? Como a família pode intervir para reduzir as consequências negativas para as crianças durante este período incerto e estressante?


Há muitos motivos para preocupação, pois a falta de frequência às aulas e a interrupção das interações das crianças durante o isolamento pode ter efeitos negativos em sua saúde física e mental, sendo particularmente relevante a lacuna que se formará no seu treinamento em habilidades sociais. As evidências sugerem que, enquanto estão em casa isolados, meninos e meninas se envolvem em menos atividades físicas, sofrem de padrões de sono irregulares e seguem dietas menos saudáveis - todos fatores que contribuem para o aumento do peso e menor bem-estar cardiorrespiratório. Juntamente com esses efeitos adversos à saúde, estressores psicológicos também podem entrar em ação durante longos períodos de isolamento. Em particular, as crianças podem sofrer a brusca diminuição (ou, na prática, ao virtual desaparecimento) de seu espaço pessoal, tédio, informações inadequadas sobre a situação de quarentena e falta de contato pessoal com amigos, colegas e professores. A interação entre estilo de vida e estressores psicológicos pode agravar os efeitos negativos à saúde, em um círculo vicioso. Todos esses fatores de estresse podem ter um efeito deletério no humor e nos níveis de ansiedade, bem como na percepção da realidade.


No contexto atual da pandemia de COVID-19, crianças, pais e (mais frequentemente) avós podem ser infectados com o vírus. Assim, pode ser necessário que as famílias reorganizem os espaços domésticos para garantir o isolamento e prevenir o contágio. No entanto, além de tomar essas medidas físicas, os pais também devem responder ao medo e ao sofrimento dos filhos, o que pode agravar o próprio estresse. Em particular, as crianças podem expressar preocupação sobre uma possível infecção, a ameaça à integridade de sua família, ansiedade sobre a separação de seus colegas de escola e amigos, além de preocupações mais importantes sobre a morte.


Esse sofrimento das crianças pode se manifestar em raiva, inquietação, frustração ou desinteresse. É importante que os pais monitorem e respondam a tais expressões, pois experiências dramáticas com alto estresse (como a morte de um dos pais, parentes próximos ou mesmo amigos) podem aumentar o risco das crianças de desenvolver um transtorno psiquiátrico no futuro.


As pesquisas demonstram que medidas de contenção, como o isolamento no contexto de uma pandemia ou desastre, podem ser traumatizantes tanto para as crianças quanto para os pais: 30% das crianças e 25% dos pais em quarentena ou isolamento preenchiam os critérios para transtorno de estresse pós-traumático (PTSD). Especificamente, os pais apresentaram sintomas de entorpecimento, excitação e outros (DEMARIA e VICARI, 2021).


Durante o isolamento, é particularmente importante que as crianças recebam cuidados parentais calmos, equilibrados e estáveis. No entanto, não é incomum que os pais experimentem um nervosismo aumentado nessas situações, transmitindo seu sofrimento psicológico aos seus filhos. Os pais devem se esforçar para manter uma paternidade afetiva e firme, facilitar o diálogo construtivo e encorajar a responsabilidade e a autonomia de seus filhos por meio do uso apropriado de reforço positivo. Comportamentos parentais inadequados, como tornar-se mais protetor, conceder menos autonomia e comunicar uma sensação de perigo iminente, podem contribuir para o desenvolvimento de sintomas de estresse pós-traumático em crianças. Assim, os pais devem tentar ser realistas, objetivos e flexíveis ao lidar com seus filhos.


Alguns pais podem se beneficiar de suporte adicional no gerenciamento de seu estresse emocional, especialmente na forma de educação sobre estratégias eficazes para usar com seus filhos (usando uma linguagem adequada, estimulando a expressão emocional e afetiva, mantendo as regras sociais e tornando os comportamentos compreensíveis). Em condições de sofrimento ou angústia emocional, os processos cognitivos cessam e nenhuma ação ou comportamento pode ocorrer – ou seja, em momentos de tensão, pare e reflita! Assim, os pais devem buscar momentos de alegria, leveza e criatividade para compartilhar com seus filhos.


Como as crianças estão constantemente expostas ao fluxo de notícias sobre a pandemia, os pais devem tentar conversar com elas com frequência, explicando os fatos e dimensionando-os à realidade das crianças, e respondendo a quaisquer perguntas que seus filhos possam ter. Isso pode ajudar as crianças a controlar o medo e a ansiedade e evitar o pânico. Também pode ser útil para os pais compartilhar e encorajar práticas de proteção individual, como distância física e medidas de higiene pessoal. Por fim, o uso de formatos adequados à idade, incluindo quadrinhos e vídeos, pode ajudar as crianças a entender a doença.


Apesar das interrupções significativas na vida diária - incluindo a escolaridade - durante o isolamento, os pais devem procurar manter uma rotina estável e consistente com seus filhos. Muitas instituições de ensino particular reagiram de maneira bastante competente, permitindo que o ensino emergencial, em casa, fosse adequadamente implementado desde o início da Pandemia. Infelizmente, o sistema público não está no mesmo nível de eficiência.

O isolamento pode representar uma boa oportunidade para melhorar a interação entre pais e filhos, envolvendo-os em atividades familiares e desenvolvendo a autoestima e a confiança das crianças. Com a abordagem correta dos pais, os laços familiares podem ser fortalecidos e as necessidades psicológicas das crianças podem ser respeitadas. O sofrimento e a luta para se recuperar de uma experiência traumática podem produzir uma transformação notável e um crescimento positivo. No entanto, sistemas de saúde pública ineficazes e consequências econômicas negativas devido ao isolamento (por exemplo, perda de emprego e redução de renda) podem aumentar o sofrimento e exacerbar algumas condições psicológicas.

Algumas medidas simples (LINHARES e ENUMO, 2020), mas de grande alcance e efetividade, podem ser adotadas para manter a estabilidade, estruturação e organização do lar, a fim de evitar um ambiente caótico e estressante e oferecer suporte e segurança às crianças, como por exemplo:

  • estabelecer e manter horários, rotinas e tarefas no ambiente doméstico;

  • dividir tarefas e responsabilidades entre os familiares;

  • organizar os espaços possíveis em cômodos ou cantos com os materiais para as diferentes finalidades de atividades de trabalho, estudo e lazer;

  • manter ativo o exercício da autonomia e controle realizando escolhas e tomadas de decisão no contexto do grupo familiar, sempre mediante a análise de alternativas possíveis;

  • preservar os horários prazerosos de brincadeiras, conversas e leituras dirigidas para as crianças da casa;

  • estabelecer comunicação positiva com as crianças atendendo às suas dúvidas e ouvindo com atenção comentários e expressão de sentimentos;

  • conversar com as crianças sobre as limitações e restrições necessárias do momento;

  • evitar os excessos de notícias e comentários negativos sobre o atual momento.

Não é incomum o aparecimento de alterações nos padrões de sono e alimentação. Fatores comportamentais indesejados também podem surgir: agitação, birras, agressividade, isolamento e timidez. As regressões são igualmente possíveis: falar infantilizado, dificuldades no controle dos esfíncteres, no autocuidado e na higiene. Tanto a negação da realidade, o enfrentamento mágico e fantasioso, como o pensamento negativo e catastrófico que leva à dramatização são estratégias de enfrentamento emocional inadequadas.


Parece desnecessário enfatizar a mais adequada recomendação para todas essas dificuldades: o exercício de sincera e profunda tolerância. As crianças frequentemente nos surpreendem com sua resiliência, sua poética percepção da realidade e sua capacidade adaptativa – especialmente se forem cercadas de carinho, atenção e amparo.


REFERÊNCIAS


DEMARIA, F. e VICARI, S. COVID-19: Quarantine: Psychological impact and support for children and parents. Acessado em 16/05/2021.


GONTIJO, Maria Lúcia. Pesquisa Da UFMG Analisa Sentimentos Das Crianças Durante A Pandemia: 'Mundo Ficou Doente'. O Globo, Belo Horizonte/MG, 18/05/2021, G1 MINAS. Acessado em 18/05/2021.


LINHARES, Maria Beatriz Martins e ENUMO, Sônia Regina Fiorim. Reflexões Baseadas Na Psicologia Sobre Efeitos Da Pandemia COVID-19 No Desenvolvimento Infantil. Acessado em 16/05/2021.



1 Comment


claudiamneves
May 19, 2021

Em tempos difíceis, com certeza exercitar a tolerância é a tarefa diária!

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©2021, por Angelo Salignac.

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